Dharma

Por Pema Dorje (Paulo Stekel)

Num contexto mais moderno, Dharma como educação espiritual (aportuguesada “darma”), usada tanto no Hinduísmo quanto no Budismo, tem a ver com uma visão da realidade. Mas sempre alicerçada em uma ética, uma percepção aperfeiçoada e uma sabedoria conduzentes à libertação definitiva dos grilhões do eu comum. O eu baseado na ilusão de prazer e dor, ganho e perda, honra e desonra, gosto e desgosto. Então, num sentido último, “dharma” seria a própria Realidade de Tudo (das coisas, do eu, da mente, do Vazio, do Transcendente, etc.).

Esta Realidade é atemporal no sentido não ilusório; sua percepção deludida cria a noção dos três tempos – passado, presente e futuro. Sendo o atemporal o quarto tempo (o Budismo Vajrayana chama a isso os “Quatro Tempos”). Uma educação espiritual ou, antes, uma “educação dármica”, deveria estar embasada em alguns pontos que julgo importantes. Independente da religião, crença, doutrina ou ideologia que se professe. Algumas reflexões sobre o dharma como educação espiritual.

Compreensão

O primeiro ponto seria a compreensão – inicialmente teórica, depois prática – de que tudo o que existe é composto de outras coisas. Além disso, é impermanente, não sobrevivendo intacto por mais que microssegundos, ou menos. Não compreender a natureza impermanente de TUDO (coisas, pessoas, eu, mente, etc.) é o caminho para o sofrimento. O apego deseja que as coisas sejam permanentes. O Buda ensinou que o apego reforça a noção de impermanência e, assim, causa o sofrimento. Se aceitássemos a impermanência como um fato da Realidade, não sofreríamos, mas agiríamos conforme o que viesse. Este é o conselho dos mestres budistas.

Outro ponto a considerar, é que todas as emoções são dolorosas. Emoções são estados que ocorrem distorcidos com relação à Realidade da Vida, que é impermanente. Quando estamos apegados a um amor apaixonado e queremos que o outro aja exatamente como gostaríamos, e ele não age assim, sofremos. Pensamos que não estamos controlando nada e podemos ser pegos desprevenidos a qualquer momento (uma traição, o fim do relacionamento, a morte do parceiro).

Na verdade, nada está sob controle, e isso é uma verdade que deveria ser ponto pacífico em nossa vida. Saber que tudo é impermanente e que também não pode ser controlado indefinidamente. Não pode ser controlado exatamente por ser impermanente, instável. Esse entendimento é uma base firme para uma educação espiritual libertadora.

Existência Intrínseca

Some-se a isso a noção (um pouco mais complexa) de que todas as coisas são desprovidas de existência intrínseca. Como assim? Na verdade, toda e qualquer coisa, seja material, espiritual, mental, ou o que for, é composta de outras coisas. É existente na DEPENDÊNCIA de uma outra coisa que lhe é anterior, sua causa original. E, é assim, ad infinitum para o passado ou para o futuro. A noção de carma passa pela compreensão desta verdade.

Assim, um corpo físico não existe por si mesmo. Existe unicamente na dependência de um sem-número de fatores físicos, genéticos, fisiológicos, psicológicos, mentais, espirituais, cármicos, etc. Além disso, um corpo é feito de inúmeras partes que, sozinhas, não constituem o corpo em si. A cabeça não é o corpo, mas dizemos que a cabeça é uma das partes do corpo. Os pés não são o corpo, mas fazem parte do corpo… Podemos continuar esta “desconstituição” do conceito “corpo” até o nível atômico e subatômico, se quisermos. Então, “corpo” é um conceito.

O “eu” é também um conceito. Ele é feito de muitos fatores, como base biológica, familiar, cultural, linguística, cármica, social, etc. Os budistas fazem meditações exaustivas desconstruindo esta noção errônea de um eu. De um corpo ou mesmo uma mente “sua” e “auto-existente”, para se reeducarem mentalmente. Percebendo a Realidade como ela é, não como nos é apresentada por estes fatores constituintes. Isso é o que chamamos de “Realização”. É algo não-conceitual e não pode ser explicado em palavras, quando atingido.

Impermanência

Recapitulando, perceber a impermanência de tudo, sua impossibilidade de controle (conforme os ditames do ego!). A não existência intrínseca e eterna do que quer que seja composto ou dependente de causas anteriores. Isso é uma grande Sabedoria conduzente ao Despertar definitivo dos grilhões do eu iludido.

Um último ponto importante aqui é entender que a libertação das amarras do eu – o nirvana budista – está além de qualquer conceito. É causal, não-conceitual, não-racional. Tudo o que pudéssemos dizer do reino da libertação seria equivocado. Equivocado porque usaria dispositivos não libertados, amarrados ao eu, para defini-lo. É o que dizem todos os mestres budistas, do zen ao mahamudra tibetano.

Por isso, não há como descrever o nirvana, apenas despertar para ele… E, o despertar último, o nível absoluto da realidade, é um processo individual, intransferível e também uma fronteira. Se forma uma barreira conceitual que impede ao Iluminado descrevê-lo corretamente utilizando palavras do nível relativo. Só nos resta senti-lo, acessá-lo sem conceitualidades.

No contexto de Dharma como educação espiritual, qual o método para acessar este nível absoluto da Realidade? Trata-se de um método triplo. Primeiramente, a ética é necessária. Independente de regras e mandamentos religiosos. A ética tem mais a ver com evitar fazer o mal a qualquer ser senciente. Fazer o bem a todos da forma que for possível e purificar a mente de todas as emoções aflitivas (apego, aversão, ignorância, ciúme, inveja, etc.). Isso se dá pelo reconhecimento dos quatro pontos analisados nos parágrafos anteriores.

Meditação

Em segundo lugar, é necessário um processo gradual de relaxamento, concentração e meditação para acalmar a mente. Eis o início do Dharma como educação espiritual. Permitir o reconhecimento do estado não-dual e não-conceitual anteriormente citado. Fazendo com que nos familiarizemos com ele, substituindo aos poucos nossa visão relativa, iludida, parcial da Realidade. Por uma visão mais completa, sem obstáculos, desimpedida, não-dual, não aflitiva, sem sofrimento. O Budismo possui um arsenal de meditações com este fim, mas todas se baseiam mais ou menos nos mesmos princípios.

Por fim, a culminância deste processo todo chega ao que chamamos de Sabedoria. A sabedoria é a união de um amor irrestrito por todos os seres com o conhecimento dos meios mais adequados. Mais hábeis, para conduzi-los ao estado não-dual e não-conceitual do nirvana, a liberação de todas as amarras. Educar os seres desta forma, com base no reconhecimento da impermanência, na dor causada pelas emoções. Na não existência intrínseca das coisas, no caráter não-conceitual do Despertar Definitivo.

Na importância da ética para com todos os seres, no repousar da mente em seu estado tranquilo natural e original (pela meditação). Na aplicação de tudo isto com a Sabedoria adequada. Esse é o melhor presente que podemos dar a todos aqueles com quem convivemos. Sejam pais, irmãos, filhos, amigos, conhecidos, desconhecidos, humanos, animais, plantas, seres de todos os reinos… Ainda que cada um dos pontos tratados aqui possa requerer muito tempo de prática para ser realizado em seu nível definitivo. A prática deles já desde os primeiros instantes produz benefícios para si e para todos os seres sencientes, com certeza. Então, por que não praticá-los? O que justificaria protelar o benefício imensurável para si e para todos os seres? Apenas o ego iludido procurando manter-se num controle, todavia impossível… Saiba um pouco mais sobre o budismo em nossa matéria Samsara e Dharma.

Sobre o autor

Pema Dorje (Paulo Stekel) é jornalista, escritor, tradutor, revisor e produtor musical, com vários álbuns lançados desde 2008. Stekel é um pesquisador não-acadêmico, um professor autodidata de diversos temas, entre eles Budismo, Sânscrito e línguas sagradas em geral. É um especialista na interpretação dos textos sagrados das religiões. Ainda que seja oficialmente um praticante do Budismo, pesquisa todas as tradições espirituais da humanidade, incorporando a seu trabalho o que há de mais útil nelas para o bem estar geral.

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