A fina camada que sustenta a vida
Iniciando com os fundamentos do cultivo orgânico, um pedaço de terra fértil à nossa volta é um mundo único, um equilíbrio sutil a ser observado. O homem é um elemento a mais que precisa se integrar pois suas ações irão modificar esse equilíbrio, alterando sua totalidade. Qualquer ação, por menor que seja, altera a sequência evolutiva da natureza e portanto, deve ser feita com muito cuidado e respeito. Para cultivar hortas orgânicas, é preciso conhecer o solo. Continue lendo para conhecer um pouco mais sobre a terra que sustenta a vida e como prepará-la para colheitas fartas.
“Aqueles que ensinam precisam manter sempre o desafio de estudar a Natureza e não os livros”. William A. Albrecht.
A fina camada de terra fértil, com certa de 20 centímetros de espessura, que recobre boa parte da crosta terrestre, demora cerca de 8.000 anos para ser fabricada pela natureza. Fragmentando as rochas e as transformando em solo, pela interação de diversos elementos como o sol, ventos, chuvas, gases, pressão atmosférica, ácidos, óxidos e sais, trabalhados por bilhões de micro-organismos.
Fundamentos do cultivo orgânico: Cuidando da camada superficial
Dessa camada superficial de solo fértil, depende toda a vida. Um pequeno descaso pode destruir rapidamente o que a natureza levou milênios para construir. Uma mata nativa cortada para agricultura altera de forma sistemática esse equilíbrio. Pode provocar a migração da fauna, erosões e alterar todo o ciclo da vida.
Uma planta se desenvolve a partir da energia do sol, que é traduzida pelos cloroplastos, pigmentos verdes que contém clorofila. Os cloroplastos absorvem o gás carbônico do ar, exalando em troca o oxigênio. Por sua vez, as raízes absorvem água e nutrientes do solo. A planta cresce pela combinação do gás carbônico, água, nutrientes e a luz do sol. Para aprender a cultivar hortas orgânicas, é preciso conhecer como a vida se organiza em torno dos elementos.
Energia
Pela fotossíntese a planta produz açúcares para se alimentar e disponibilizar o alimento para humanos e animais. Sem isso, nenhum animal existiria na terra. Em cada elo da corrente da cadeia alimentar, a quantidade de energia vai diminuindo, pois cada organismo transmite menos energia que recebe.
Menos de 1% da energia que chega à atmosfera é absorvida pela planta na fotossíntese. O resto se dispersa em forma de calor. Portanto, quanto mais curta for a cadeia – por exemplo, vegetal-homem, maior será a quantidade de energia alimentar disponível no elo final.
“É preciso ter como que um pressentimento dos mistérios da vida”. Rudolf Steiner.
Vida na terra
As cadeias cíclicas terminam nos organismos que decompõem os restos vegetais e animais. Esses restos são incorporados ao solo. Fertilizando-o e criando condições para que a planta germine e se desenvolva. Iniciando um novo ciclo.
A decomposição dos restos vegetais e animais em matéria orgânica, é feita por inúmeros organismos. Entre eles, estão os mamíferos, minhocas, lesmas, formigas, caracóis, aranhas, centopeias, vermes, cigarras, larvas, nematoides e protozoários. Se o solo é tóxico, por ação dos químicos, um ou mais desses organismos desaparecem. Podem inclusive causar prejuízos nas culturas em volta. Se os químicos acabam com todos esses agentes naturais, o solo morre e com ele toda a vida.
Minhocas
Esses bichos do solo digerem diversos tipos de materiais, abrem galerias, melhorando a infiltração da água. Melhoram também a drenagem, aeração e penetração das raízes das plantas. As minhocas são especialmente importantes em hortas pois comem terra e matéria orgânica, transformando tudo em húmus. Húmus é um alimento de alta qualidade para as plantas. As minhocas abrem galerias em sua movimentação no solo, que vão desde a superfície até três metros de profundidade.
Esses túneis aumentam a porosidade e seus excrementos a fertilidade do solo. Um solo fértil pode conter de 500 a 2.000 quilos de minhocas por hectare. Os processos finais e mais complexos de decomposição ficam por conta de outros seres vivos. São os micro-organismos como as bactérias, fungos, actinomicetes e algas. Com um solo naturalmente fértil, hortas em pequenos espaços podem produzir alimentos de ótima qualidade.
Erosão
Grandes quantidades de solos férteis vão por água abaixo, sem retorno, nos processos erosivos. Esses processos normalmente são causados pela ação do homem. A cada ano, cerca de 80 bilhões de toneladas de solo caminha em direção aos oceanos e lagos. Entre as muitas causas, está o desmatamento e cultivos em terrenos inclinados sem curvas de nível. Pastagens excessivas da pecuária, sistemas de irrigação das monoculturas e a agricultura intensiva mecanizada, transformam toda a vida do solo naturalmente fértil em um pó estéril que depende cada vez mais de insumos químicos para produzir.
“O solo é o grande conector de vidas, a origem e o destino de todos. É o curador e restaurador, pelo qual a doença passa para a saúde, a velhice chega aos jovens, a morte se transforma em vida. Sem o cuidado adequado com o solo não podemos ter nenhuma comunidade, porque sem o cuidado adequado com o solo não podemos ter vida “. Wendell Berry.
Solos tropicais e hortas orgânicas
Orientações genéricas contidas nos pacotinhos de sementes, muitas vezes, são feitas para climas e solos diferentes dos nossos. Sugerimos um pequeno estudo sobre a estrutura de nossos solos. Continue lendo para conhecer um pouco mais sobre a terra e obter melhores resultados em hortas orgânicas.
Considerando a exuberância de nossas florestas e a produtividade de nossa agricultura, temos a impressão que nossos solos são ricos. Com exceção de algumas raras faixas de terra roxa, os solos brasileiros são tipicamente tropicais. Ou seja, desgastados e acidificados. Isso se deve principalmente por causa da destruição intensiva e progressiva da vegetação natural de cobertura. Castigados e lavados pelo sol, só produzem bem com a adição de matéria orgânica e fertilizantes.
A primeira providência é a análise do solo. Por que analisar o solo? Conhecendo sua estrutura podemos saber como devemos fazer a correção. Solos ácidos são tóxicos para as plantas, retardando seu desenvolvimento, com baixa ou nenhuma produção. A análise vai permitir dosar a quantidade de calcário a ser aplicada por hectare, para equilibrar o pH. Essa prática faz com que a planta consiga se alimentar do esterco ou composto orgânico disponibilizado para ela.
“O uso de pulverizações com produtos químicos tóxicos é um ato de desespero de um modelo agrícola moribundo. Não são os poderes dos insetos invasores que devemos temer , mas sim as condições frágeis das vítimas”. William A. Albrecht.
Composição do solo
Conhecendo o solo a partir de seus principais aspectos: físico, químico e biológico, é possível otimizar a produção. Cada um desses aspectos corresponde a um tipo de fertilidade. O aspecto físico com relação à estrutura e textura de seus componentes: água, ar, minerais (areia e argila) e matéria orgânica. A quantidade maior ou menor desses elementos determina sua estrutura. Pode ser de textura grossa (arenoso), média (areno-argiloso) ou fina (argiloso). A fertilidade física, ou seja, equilíbrio entre esses elementos será a base para a fertilidade química e biológica. Deve haver espaço adequado para a circulação do ar e da água para facilitar as reações químicas e consequentemente, a vida.
O aspecto químico está relacionado aos nutrientes disponíveis na água e nos minerais. Raízes só absorvem nutrientes dissolvidos em água. Os micro-organismos e a textura do solo agem como intermediários entre os nutrientes e as raízes das plantas. Fertilidade química não está relacionada com muito ou pouco adubo. Está relacionada com o equilíbrio entre os vários elementos.
Finalmente, a biologia com todas as formas de vida que habitam esse solo com milhares de espécies. São os fungos, vírus, bactérias, vermes, algas, bichos e vegetais que trabalham na decomposição da matéria orgânica. Fertilidade biológica e a estrutura do solo dependem do trabalho desses micro-organismos.
“Fórmulas de N-P-K como as que são registradas e recomendadas pelos Ministérios de Agricultura do mundo todo, significam má nutrição (humana e animal), ataque de insetos, bactérias e fungos, maior incidência de mato, perdas de lavouras em épocas de seca, bem como perda da acuidade mental da população que leva a doenças degenerativas metabólicas e morte prematura”. William A. Albrecht.
Textura do solo para hortas
A mistura dos sólidos (areia, argila e matéria orgânica) determina a textura do solo e a facilidade ou não de se trabalhar esse solo. Solos arenosos são mais fáceis de serem trabalhados com ferramentas manuais. São mais macios, arejados e absorvem bem a água, que não é retida, ou seja, ressecam mais rapidamente.
O solo argiloso é mais pesado e difícil de trabalhar com a enxada. Esse solo adere às ferramentas quando úmido, tornando-as mais pesadas e o trabalho mais cansativo. Absorve mais lentamente a água, armazenando-a por mais tempo. Existem muitos solos mais ou menos argilosos ou arenosos, com diferentes quantidades de um ou outro elemento. São chamados de solos areno-argilosos.
A matéria orgânica equilibra os dois extremos, como húmus ou matéria em decomposição. É uma espécie de cola que une e torna os solos arenosos mais consistentes e férteis com a retenção da água e dos nutrientes. A matéria orgânica torna também os solos argilosos mais leves, intermediando as partículas de argila. Deixa mais espaço para o ar e a água e facilita o desenvolvimento das raízes das plantas. Eis o ponto de equilíbrio, para um solo adequado para hortas orgânicas.
Teste fácil para saber o tipo de solo
Cave com uma pazinha um buraco de aproximadamente 20 centímetros. Revolva a terra, coloque uma porção em um vidro transparente, complete com água e agite bem. Deixe descansar até que todos os sólidos desçam ao fundo. As camadas aparecerão então bem definidas: embaixo a areia e as partículas mais grossas. A seguir a argila e as partículas mais finas e em cima uma camada mais escura, o húmus ou matéria orgânica em decomposição. Compare então as camadas: se houver menos de 15% de argila o solo será arenoso. Entre 20 e 40% de argila será areno-argiloso e com mais de 40% de argila, argiloso. A matéria orgânica raramente alcança mais que 5% do volume em solos brasileiros.
“O homem tem raiz em seus pés, e na melhor das hipóteses, ele não é mais que um vaso de plantas em sua casa ou carro. Até que ele estabeleceu comunicação com o solo pelo toque amoroso e magnético de seus pés.” John Burroughs.
Solo rico para horta e jardim
Solo sadio é sinônimo de plantas sadias. Cultivando junto as plantas companheiras e fazendo a rotação de culturas em solo vivo e rico em matéria orgânica, a incidência de doenças e o ataque de pragas diminui. Até que se consiga o equilíbrio entre todos os fatores. Em hortas sadias, quando esse equilíbrio é alcançado, as pragas e doenças podem desaparecer ou se tornarem insignificantes.
O primeiro remédio para prevenção de pragas e doenças é o permanente cuidado com o solo. Desde a preparação dos canteiros até a cobertura morta, depois que as plantas já estão crescendo. Para chegar ao equilíbrio, não abuse de nenhum elemento, coloque sempre a quantidade indicada para a área cultivada, de acordo com a necessidade de cada cultura. Para aprender a fazer horta no quintal, com bons resultados, faça primeiro um investimento na vida do seu solo.
A matéria orgânica deve ser abundante desde o início. Solos descobertos e pobres em matéria orgânica atraem pragas e propiciam o aparecimento de doenças na cultura. Excesso e falta de água também desequilibram, assim como adubação química e o uso de agrotóxicos de qualquer tipo.
“O fato de que você não tem frutas não é uma prova de que você não tem sementes. Não é tarde demais para mostrar as suas potencialidades em um bom solo. Faça isso agora; a colheita espera por você em breve! ” Israelmore Ayivor
Observando a vida nas hortas
Alguns Coleópteros, mais conhecidos como besouros, vaquinhas e joaninhas, são aliados pois controlam pulgões, lagartas e gafanhotos. Outros da mesma ordem, se alimentam de vegetais, danificam raízes e entram nos galhos, caules e frutos, como é o caso das brocas. Caso haja infestação, podem ser controlados com extrato de fumo. Ferva 100 gramas de fumo de rolo em 2 litros de água e aplique nos furos das brocas ou pulverize as plantas afetadas. O cravo-de-defunto deve ser plantado nas bordas dos canteiros pois funciona como repelente de nematoides.
Seguindo os passos para aprender a plantar hortaliças, os caracóis, que comem folhas, podem ser controlados com a catação manual. Em hortas maiores, faça uma faixa de aproximadamente 15 cm de cinza ou cal em volta dos canteiros ou da horta. A cinza ou a cal aderem ao corpo do caracol, provocando sua morte.
Outra técnica para o controle dos moluscos é colocar sacos de estopa úmidos em volta dos canteiros. De manhã é só olhar na parte de baixo que os moluscos estarão grudados no saco. Fazer a catação manual, repetindo durante alguns dias, dependendo da quantidade para eliminar a praga. Lesmas podem ser controladas da mesma forma que os caracóis. As lesmas deixam uma substância brilhante nas folhas das hortaliças ao se deslocarem. As folhas com essa substância devem ser muito bem lavadas. Nelas pode ser encontrado um verme que ataca o intestino humano.
“É impossível ter uma sociedade saudável e equilibrada sem o devido respeito para com a terra.” Peter Maurin.
Controlando infestações nas hortas
Para cultivar hortas sadias, controle as cochonilhas. São também conhecidas também como escamas, piolho branco ou farinha e sugam a seiva das plantas, enfraquecendo-as. Secretam substâncias doces que atraem fungos. Podem ser controladas com emulsão saponácea. Três litros de querosene, meio quilo de sabão e 50 litros de água. Corte o sabão em fatias finas, dissolva em 1,5 litros de água quente. Vá agitando e despejando o querosene e o restante da água. Mexa sempre, até misturar toda a água e todo o querosene ao sabão diluído. Dissolva 3 quilos de farinha de trigo em água fria e adicione à mistura, mexendo sempre para não criar pelotas. Pulverize o local da infestação, repetindo a cada 15 dias até o desaparecimento das cochonilhas. Com observação e cuidados, pequenas hortas podem produzir alimentos suficientes para o consumo da família.
Plantas repelentes para horta e jardim
Formigas cortadeiras atacam plantas estrangeiras em solo desprotegido. À medida que a cultura vai se diversificando com uma maior quantidade de espécies vegetais e o solo enriquece em matéria orgânica e vida. A medida que isso acontece, elas vão desaparecendo. Hortelã (Mentha piperita) e atanasia (Tanacetum vulgare) plantados nas bordas dos canteiros e em volta das covas das frutíferas afastam as formigas.
O gergelim plantado na borda da horta também ajuda no controle das formigas cortadeiras. As formigas cortam as folhas do gergelim, levam para dentro do formigueiro. Essas folhas envenenam o bolo alimentar, provocando muitas baixas. Uma horta orgânica, precisa ter muitas espécies plantadas em solo rico em matéria orgânica. Sem químicos, com cobertura morta e com teor de umidade adequado, dificilmente a horta será prejudicada por pragas e doenças.